sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Treinador viciado em pornografia infantil

Uma mala esquecida numa rua de Lisboa denunciou um crime escondido há mais de dez anos. E permitiu que um antigo treinador de futsal de juniores fosse condenado na semana passada por posse de dezenas de ficheiros de pornografia infantil que lhe serviam de recreio e que partilhava com gente com iguais apetites. O arguido surpreendeu o tribunal ao confessar “na íntegra e sem reservas” a sua compulsão, mas foi condenado a uma pena suspensa de quatro anos e seis meses de prisão, sujeito a vigilância da reinserção social, por dois crimes de pornografia de menores agravada.
“Sinto nojo de mim” – disse à juíza que presidiu ao colectivo da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, que deu como provado que, entre 2000 e Outubro de 2011, para “obter satisfação sexual”, Paulo Henriques, hoje com 48 anos, “colocou e partilhou na internet vários ficheiros” com fotos e filmes de crianças de 4, 5 e 6 anos e jovens de 14, 16 e 18 anos, nus e em poses eróticas e em actos sexuais entre si e adultos. Como não tinha computador, o arguido saciava o vício em cibercafés em Lisboa, Loures e Porto, e na ‘sociedade recreativa dos amigos do Botafogo’, em Caneças, onde foi treinador de futsal dos iniciados, entre 2004 e 2006.

Caso denunciado por jornalista do SOL
A verdade é que o arguido – simples pasteleiro (único ofício que aprendeu) que até há pouco tempo viveu como sem-abrigo – sempre procurou, nos tempos livres, estar perto de crianças e jovens. Em 2011, confessou à Polícia Judiciária (PJ) que a sua presença lhe despertava impulsos sexuais: “Talvez por medo, falta de coragem, nunca sequer entrei num balneário, mesmo quando treinava os miúdos… tinha medo de não me conter, de ficar excitado”.
Mas refugiava-se na pornografia infantil – preferia os jovens às crianças – para saciar a libido, masturbando-se. “Nunca caí na tentação de tocar numa criança ou num miúdo porque não lhes quero fazer mal... nem me coloco em situações em que possa ter essa tentação”, disse aos inspectores, que o confrontaram com uma vasta colecção de filmes gravados em CD descobertos, em 2007, na mala por ele esquecida numa rua de Lisboa e também numa pen-drive que, no ano seguinte, a PSP lhe apreendeu ao vê-lo a arrumar carros de forma indevida.
O caso chegou à Justiça em 2007 pela mão da jornalista Felícia Cabrita, a quem um funcionário da Câmara Municipal de Lisboa entregou uma mala que encontrara junto ao pavilhão desportivo Carlos Lopes, perto do Parque Eduardo VII, em Lisboa. Lá dentro, estavam uns boxers e outras peças de roupa, papéis e 13 CD com dezenas de filmes pornográficos envolvendo menores. Havia ainda um DVD de um torneio da ‘sociedade recreativa Unidos ao Botafogo’ e três cachecóis da associação ‘Os Pestinhas de Caneças’ – pistas que levaram a jornalista a fazer os primeiros contactos, nomeadamente com o presidente do clube Botafogo. Este, ao visionar as imagens com a jornalista, identificou de imediato Paulo Henriques em algumas fotos, de conteúdo não pedófilo, onde surgiam crianças e jovens que frequentavam os treinos de futsal.
A jornalista, testemunha no processo, entregou o material ao Ministério Público, que abriu um inquérito. Quando a PJ o começou a vigiar, Paulo, que acabara de ficar desempregado (a fábrica onde trabalhava encerrou), pernoitava na rua, entre a avenida Almirante Reis e o Parque Eduardo VII, sobrevivendo como arrumador. Nessa altura, também tinha acabado de ser afastado do clube Botafogo, quando um dos membros da direcção descobriu imagens pornográficas no único computador da associação. “Ia dar com ele na internet sempre fora das horas em que o clube estava aberto. E comecei a andar mais atento”, contou Carlos Rolo à PJ, acrescentando que ficou chocado quando encontrou as fotos de crianças e adultos “nus e em práticas sexuais”. Mas ele como todas as testemunhas ouvidas afirmam nunca ter visto comportamentos suspeitos com as crianças. “Nunca estava sozinho com os miúdos e os treinos eram assistidos por familiares. Estava muito controlado”, diz Carlos Rolo.
Entretanto, em 2010, a Polícia perde-lhe o rasto. Depois de um desentendimento com a chefia da Confeitaria Nacional, onde conseguirá emprego, Paulo muda-se para o Porto, onde passa os primeiros dias na rua. Em Outubro de 2011, a PJ encontra-o finalmente, mas noutro local: tornara-se presidente da associação desportiva e recreativa do Araújo, onde treinava a equipa júnior de futsal. Ali dormia e explorava o bar.
Idade foi atenuante
Apesar de não ter reunido provas de que o arguido abusara dos menores, a PJ chegou a sugerir que enquanto esperasse pelo julgamento fosse alvo de uma medida de coacção mais grave do que o termo de identidade e residência, “mais adequada aos impulsos que admitiu ter e ao facto de ter novamente procurado uma associação desportiva, ambiente de fácil acesso a menores”.
Mas acabou por esperar em liberdade até à semana passada, quando foi ouvido, pela primeira vez, em tribunal. Na audiência, mostrou-se arrependido, o que pesou na sentença e o livrou da prisão. Mas houve mais atenuantes. “Com a idade dá-se um decréscimo gradual da testosterona, ocorrendo uma redução da excitação sexual”, lê-se no acórdão, onde se acrescenta: “Está integrado numa instituição [AMI] que lhe poderá conceder alguma contenção no futuro, o que aliado à ameaça de poder vir a cumprir pena de prisão, o fará certamente demover de futuros comportamentos de risco”.
Hoje, Paulo dorme num abrigo nocturno da AMI, no Porto, trabalha num pequeno café como pasteleiro e recebe 178 euros de rendimento social de inserção.
sonia.graca@sol.pt

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