Chegam
cada vez mais denúncias às autoridades e associações. Mães são as
raptoras em 90% dos casos. Muitas são imigrantes e levam os filhos para
os seus países, à revelia dos pais.
Há
quase um ano que Jorge e Ana Maria não vêem o neto de três anos.
Rafael, desde que nasceu vivia com os avôs em Lisboa, foi com a mãe ao
Brasil para visitar a família dela. Nunca mais voltou. “Estamos
desesperados. O meu filho foi para Belém do Pará tentar recuperá-lo.
Aqui, não recebemos qualquer apoio do Ministério dos Negócios
Estrangeiros”, conta Ana Maria entre lágrimas. “Criei o Rafael desde que
nasceu. Ele é português, a mãe não o pode levar assim”.
O número
de crianças e adolescentes que são levados à revelia de um dos pais para
parte incerta tem vindo a aumentar em Portugal desde 2009, admitem as
autoridades. Além dos divórcios e separações, também a crise tem levado
muitos imigrantes a regressar aos seus países, viajando com os filhos
que tiveram de relações com portugueses, sobretudo para o Brasil e para o
Leste da Europa.
Em 90% dos casos, as raptoras são as mães. Recuperar estas crianças transforma a vida dos pais num verdadeiro calvário.
No
ano passado, foram denunciados 87 casos de rapto parental à Autoridade
Central Portuguesa (ACP) – entidade responsável pela aplicação no país
da Convenção da Haia sobre o Rapto Civil Internacional de Crianças,
subscrita por mais de 80 Estados. Mas a ACP só conseguiu ajudar a
recuperar 11 crianças em 2012, seis delas no cumprimento de decisões
judiciais.
Já este ano, chegaram à ACP mais 33 pedidos de ajuda. A
maioria dos processos são de menores em que um dos progenitores é
estrangeiro, mas existem casos em que os pais são ambos portugueses,
tendo um deles fugido com os filhos para fora do país.
Também à Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas (APCD) chegam cada vez mais denúncias.
“Tivemos
no ano passado 13 queixas de rapto, o dobro do ano anterior”, diz a
presidente, Patrícia Cipriano, acrescentando que este ano já entraram
mais cinco. “Este é um crime grave e tem de começar a ser tratado como
tal, porque as autoridades não actuam ou então demoram muito tempo a
reagir”.
Crianças em perigo
Ana Maria e
Jorge sentem-se de mãos atadas. O filho, Sérgio, de 31 anos, partiu para
o Brasil para trazer o Rafael para casa. Está lá desde Novembro passado
e não regressará sem a criança. “A Patrícia foi de férias e, ao fim de
três meses, disse que já não voltava”, conta Ana Maria. “Sempre a tratei
como filha, não percebo esta decisão”.
Sérgio deixou o trabalho e
sobrevive com a ajuda dos pais. Recorreu à Justiça brasileira, mas
perdeu na primeira instância. Os avós dizem que a mãe de Rafael invocou
em tribunal que a criança era maltratada em Portugal e acusam a juíza de
ignorar o facto de a criança ser portuguesa e de a autorização dada
pelo pai para a saída do menor do território nacional só ser válida por
seis meses. Sérgio recorreu e o processo vai ser analisado no Supremo
Tribunal de Justiça de Brasília.
“É muito raro os tribunais
brasileiros atribuírem a guarda ao pai” – reconhece Patrícia Cipriano,
da APCD, lamentando a incapacidade das autoridades portuguesas para
actuar nestes casos. Mas mesmo quando a Justiça decide a favor da
entrega dos filhos a um dos pais, as autoridades tardam em agir. “Há
situações gravíssimas em que as crianças estão em risco e os meios para
as recuperar não são accionados”, denuncia a advogada.
É o que
continua a acontecer no caso de David, de seis anos. O pai, Jacek
Rybczynski, denuncia que o filho foi levado da Polónia pela ex-mulher,
portuguesa, e por dois homens que o atacaram à porta de casa, há dois
anos.
O rapto aconteceu depois de a Justiça polaca ter entregue a
guarda de David ao pai. “Este menor está em perigo”, denuncia Patrícia
Cipriano, que tem divulgado fotografias do rapaz através das páginas da
APCD na internet e no Facebook.
“Apesar de os tribunais
portugueses já terem reconhecido a decisão da Justiça da Polónia, o
Ministério Público não deduz acusação de sequestro e os meios para
localizar a criança não são accionados”, critica a advogada.
Sem
saber nada do filho desde Janeiro do ano passado, Jaceb tem apostado na
divulgação do caso. A música que dedicou a David no seu sexto
aniversário circula no Youtube.
Mudar a lei
A
situação torna-se ainda mais surpreendente quando se sabe que, pela
Convenção da Haia – subscrita por Portugal em 1989 e por outros países,
como o Brasil –, os litígios envolvendo estas situações deviam ser
resolvidos entre as Autoridades Centrais em apenas seis semanas.
Mas
ninguém cumpre. Segundo a ACP, o país mais célere nestes processos é o
Reino Unido: os casos são resolvidos em quatro meses, no máximo, após o
pedido formal da Autoridade. Em França, o prazo alarga-se para os oito
meses. Fora da União Europeia, porém, os litígios podem arrastar-se por
dois anos, devido à lentidão ou burocracia dos diferentes sistemas
jurídicos. Isto quando as crianças já estão localizadas. Se o paradeiro é
desconhecido, ainda é mais difícil uma decisão.
Por isso, os
especialistas não têm dúvidas que são necessárias mudanças de fundo na
forma de lidar com estes casos, de forma a acelerar resultados.
“É
preciso que o rapto parental passe a ser considerado um crime
autónomo”, de forma a que as autoridades policiais possam efectuar
buscas e usar outros meios de prova, como as escutas telefónicas, para
localizar as crianças com paradeiro desconhecido – defende Patrícia
Cipriano. Isto porque a esmagadora maioria dos menores é levada para
fora do território nacional.
Luís Villas Boas, psicólogo e
director do refúgio Aboim Ascensão, no Algarve, insiste que, neste
momento, a situação de defesa dos direitos das crianças em Portugal é
“gravíssima”. “Os danos provocados por estas situações nas crianças são
em muitos casos irreversíveis”, alerta.
Os filhos raptados pelos pais podem sofrer traumas grandes e desenvolver sentimentos de insegurança e abandono.