quarta-feira, 10 de julho de 2013

Pobreza não pode ditar adopção

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) é claro: «O papel das autoridades de protecção social é ajudar as pessoas em dificuldades» e evitar que os filhos possam ser retirados aos pais por situações de carência económica. «Trata-se de uma medida extrema, que só pode ser aplicada aos casos mais graves».A posição do Tribunal é assumida numa sentença de 18 de Junho passado, que condenou Espanha a indemnizar uma mãe a quem foi retirada e dada para adopção uma filha de três anos. Mas a mensagem dos juízes serve para todos os países que adoptaram a Convenção Internacional dos Direitos do Homem, que estabelece no artigo 8.º «o direito ao respeito da sua vida privada e familiar» e que faz com que os Estados tenham «a obrigação positiva de adoptar medidas para facilitar o regresso à vida familiar».
E foi precisamente aí que as autoridades espanholas falharam, quando em Agosto de 2005 uma mãe se dirigiu, com a filha de três anos ao colo, aos serviços sociais de uma câmara da Andaluzia, pedindo «trabalho, alimentos e alojamento». No mesmo dia, a comissão de protecção de menores foi chamada a intervir e a menor foi levada para uma instituição.
Carência económica foi único motivo para retirar menor
Com trabalhos esporádicos na agricultura e a viver na quinta de uma avó, juntamente com outros familiares, a mãe estava numa situação «de indigência», que fez com que os serviços sociais considerassem que não tinha condições para cuidar da filha. O desespero de ver a criança ser-lhe retirada dos braços fez com que tivesse uma reacção que foi considerada «violenta» e «agressiva» e que viria a servir de fundamento para impedir as visitas ao centro de acolhimento para onde foi levada a menor.
Dois anos depois, a menina foi colocada numa família de acolhimento, que acabaria por a adoptar, apesar de durante mais de sete anos a mãe ter lutado nos tribunais pela guarda da filha.
O TEDH considera que em todo o processo houve «inércia da administração» e dos tribunais, que nunca tiveram em conta o facto de a mãe ter entretanto melhorado as suas condições de vida, arranjando trabalho em França. A sentença diz mesmo que «a constatação inicial de abandono foi mecanicamente reproduzida» ao longo do processo, sem que fosse feito qualquer esforço para avaliar a evolução da família.
O Tribunal entendeu que as alegações sobre o estado mental da mãe nunca foram devidamente sustentadas em relatórios, sendo as carências económicas o único motivo para a retirada da menor.
A decisão do TEDH não vai, contudo, resolver a situação. Sem poderes para reverter a adopção, tudo o que Tribunal Europeu pôde fazer foi obrigar o Estado espanhol a indemnizar a mãe, pagando-lhe 30 mil euros. A criança tem agora 11 anos e está integrada na sua nova família.
790 bebés retirados aos pais em Portugal, em 2012
Em Portugal, em 2012, havia 8.557 menores em regimes de acolhimento, segundo o relatório da Segurança Social CASA, que faz a caracterização anual da situação de acolhimento das crianças e jovens. Os dados mostram que, nesse ano, foram retiradas aos pais 790 bebés entre os 0 e os três anos.
Três deles foram os mais novos dos sete filhos retirados a Liliana Melo em Julho de 2012: entre os menores retirados a esta mãe que recusou a laquear as trompas, estavam um bebé de seis meses, dois gémeos com dois anos e uma criança de três.
J.M. foi outro destes casos. Nem chegou a sair da maternidade. «Disseram que o meu filho estava em risco social», conta ao SOL Helga Aveleira, que há um ano luta para recuperar o filho mais novo, sem entender por que motivo não lhe foi aplicada a mesma medida de promoção e protecção junto da família a que estão sujeitos os irmãos de cinco e três anos. «Se tenho condições para cuidar deles, porque é que não posso ficar com o irmão?».
Segundo um despacho do Ministério Público (MP), que pede ao Tribunal de Menores a entrega do menor para adopção, «a progenitora padece de patologia de personalidade», que não é especificada, e o pai «revela-se imaturo». O facto de dois dos três irmãos mais velhos de J.M. – filhos de duas anteriores relações de Helga – «encontrarem-se institucionalizados» são outra razão apontada pelo MP para justificar a adopção como um melhor projecto de vida para o menor.
Mas a história contada por Helga é muito diferente. «Não escondo que temos muitas dificuldades e que tive problemas com os meus filhos mais velhos, mas há muito amor nesta casa e temos feito muito esforço para melhorar a nossa vida». Com uma relação estável com Hugo – pai dos três filhos mais novos –, Helga tem lutado para ter uma vida melhor, mas não encontra apoios.
‘O meu erro foi pedir ajuda’
«Dizem que falto às visitas do meu filho, mas eu moro em Mira Sintra e ele está no Estoril. Em transportes públicos, demoro mais de uma hora só para chegar lá». Helga tem ainda de compatibilizar o rígido horário da instituição que acolhe J.M. com o curso de Turismo que está a tirar no Instituto de Emprego e Formação Profissional. «Como faltei muito às aulas, tiraram-me a bolsa», lamenta, explicando que isso tornou ainda mais complicadas as contas da família, agora que o marido, que trabalhava no Exército, foi despedido. «Mas nós não baixamos os braços. Fazemos bolos e salgados para vender para fora. Não falta comida em casa», garante.
Se J.M. for dado para adopção, será o segundo filho que Helga perde. «Em 2003, estava grávida quando procurei ajuda na escola dos meus filhos». Era vítima de violência doméstica, o então marido estava envolvido em negócios duvidosos e o filho mais velho, então com oito anos, começava a dar sinais de ser problemático. «O meu erro foi ir pedir ajuda. A partir daí, a minha vida ficou um inferno», lamenta, explicando que a filha que teve há dez anos acabou por ser também retida na maternidade.
Para sobreviver, Helga trabalhou em restaurantes, lares de idosos, nas limpezas e até fez vindimas. Com os filhos mais velhos numa instituição no Porto, a filha nas Caldas da Rainha e ela e o companheiro a viverem em Samora Correia, manter as visitas tornou-se cada vez mais difícil. «E a minha menina foi dada para adopção», resume, com a voz triste e as lágrimas nos olhos.
Segundo os dados da Segurança Social, a retirada para adopção é, contudo, das medidas menos aplicadas. Em 2.590 crianças sinalizadas em 2012, apenas 44 foram entregues para adopção. Os números mostram também que 58% dos menores entre os 0 e os três anos que estiveram institucionalizados acabaram por regressar à família em menos de um ano – o que, segundo o próprio relatório CASA, «leva a questionar as razões de se ter optado pela separação da sua família, ao invés de se desenvolver uma intervenção integrada de preservação familiar».
Apesar dos esforços do SOL, que durante meses procurou esclarecimentos sobre o caso de Helga junto da Procuradoria-Geral da República, da Segurança Social, da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco e do Tribunal de Sintra, não foi possível obter esclarecimentos destas entidades sobre o caso de Helga Aveleira e J.M, tendo todas invocado a especial confidencialidade que reveste os casos de protecção de menores.

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