segunda-feira, 25 de março de 2013

Dois gémeos idênticos são suspeitos de vários crimes de violação em Marselha. Mas, como têm o ADN igual, nem os testes os distinguem. Qual será o culpado? Serão os dois culpados? É um dos maiores quebra-cabeças com que a Justiça alguma vez se deparou
Este caso desafia até o mais intrépido e perspicaz Sherlock Holmes. Como é conhecido dos livros e dos filmes de TV e cinema que os adaptaram, o detective britânico de invulgar inteligência e capacidade de observação dos detalhes consegue resolver qualquer caso. Basta-lhe para isso observar o modo como uma revista está dobrada em cima da mesa da sala onde ocorreu o crime, ou de que lado foi trincado o english pudding que o suspeito comeu na semana anterior...
E no fim remata, dirigindo-se ao seu assistente: ‘Elementar, meu caro Watson’. Mas, num caso recente de assaltos sexuais ocorridos em Marselha, no Sul de França, o grande Holmes bem poderia puxar pela cabeça. E se isso não chegasse, bem poderia puxar pelo microscópio. Nada disso lhe serviria. O caso é o seguinte: entre Setembro de 2012 e Janeiro deste ano, houve seis violações num bairro daquela cidade. O culpado está identificado e preso. O culpado? Não, os culpados, embora tenha sido só um a praticar os crimes. Ou terão sido os dois?
Se a clareza deste texto poderia dar voltas à cabeça até de Holmes, o caso não é menos confuso. O problema é que os crimes aconteceram efectivamente, e os principais suspeitos são dois irmãos gémeos idênticos de 24 anos, identificados apenas como Elwin e Yohan. Os indícios colhidos no corpo das vítimas – sémen do criminoso, cabelos, sangue – atestam a identidade do violador. Mas, mesmo tendo ambos sido presos em Fevereiro, o problema mantém-se: a qual deles pertencem estes indícios? A solução parece óbvia: façam-se os infalíveis testes de ADN. O problema é que gémeos monozigóticos (ou idênticos) partilham o ADN em 100%. Ou seja, eles são iguais até a um nível microscópico.
O verdadeiro culpado (ou culpados, caso tenham sido os dois os autores dos crimes, o que também é possível) só poderá ser descoberto por testes genéticos mais afinados. A Polícia francesa avançava que os testes clássicos aplicados à ciência forense seriam insuficientes e uma verificação mais exaustiva pode custar um milhão de euros, avança a BBC Online a propósito do caso.
Alguns peritos, entretanto, chegaram-se à frente. Um dos grupos, citados pela revista especializada Popular Science, recorda um caso semelhante ocorrido em Michigan (EUA) em 2004. Na altura, a Polícia teve de recorrer a um laboratório ultra-especializado para poder detectar mutações genéticas que distinguissem este par de gémeos. Mas não conseguiram e não houve condenações.
A questão torna-se mais complicada porque os especialistas em genética concordam que essas mutações ocorrem mesmo entre gémeos idênticos. O problema está mais em situá-las, pois não se situam em todos os tecidos. É preciso explicar que, para um teste de ADN simples, qualquer amostra de tecido (sangue, cabelos, unhas) que tenha ficado no local do crime é suficiente para uma despistagem da identidade do suspeito.
Entretanto, em 2008, outra equipa norte-americana, da Universidade do Alabama, conseguiu discernir mais variações genéticas entre gémeos das que se conheciam antes. Analisaram 19 pares de irmãos idênticos e acertaram nos traços distintivos de todos. O sucesso, porém, não foi ainda testado noutras ocasiões e fora de ambiente de laboratório.
De qualquer modo, outros especialistas indicam que estudos que analisassem algumas marcas químicas do ADN poderiam ir mais longe, tendo em conta que os gémeos são expostos a diferentes condições do meio logo após o nascimento. Mas este método teria de ser combinado com uma sequenciação completa do genoma de Elwin e Yohan, o que custaria não o milhão de euros estimados pela Polícia marselhesa, mas alguns milhares. O problema ia dar sempre ao mesmo beco sem saída: não haveria garantias, no fim, de conseguir distinguir os gémeos um do outro. Mais uma vez, não haveria a certeza de se ‘acertar no alvo’, pois ninguém sabe ao certo, à partida, quais são os tecidos onde se podem encontrar as mutações. E um estudo aprofundado exigiria que se analisasse um grande número de tecidos nos dois suspeitos.
Sem certezas na metodologia a aplicar, estes testes ainda não oferecem a segurança necessária para poderem ser usados em tribunal. Outro caso, este sem a gravidade de um ataque sexual, foi um assalto levado a cabo por um dos elementos de um par de gémeos em Berlim (Alemanha) em 2009. Os testes de ADN levaram, mais uma vez, ao clássico beco sem saída. Eles não se distinguem. O desfecho foi o mesmo do caso norte-americano de 2004, não houve condenações, na dúvida de se levar à cadeia o gémeo inocente. No fim, como sempre, quem riu por último riu melhor. Um dos irmãos declarou, jocoso: «Estamos orgulhosos do sistema legal alemão».
ricardo.nabais@sol.pt

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