terça-feira, 26 de março de 2013

As estranhas nuances da pedofilia...

A denúncia de abuso sexual de menor deu entrada, na Polícia Judiciária (PJ) , a 19 de Agosto de 2010. Quase três anos depois e apesar da confissão cabal do suspeito, o processo continua parado, à espera de um despacho de acusação ou arquivamento do Ministério Público.
A história do envolvimento de uma menor de 13 anos com um homem de 45 começou, porém, um ano antes de a queixa ser apresentada às autoridades. Nessa altura, Rui (nome fictício), procurava uma parceira sexual na internet. O casamento estava em crise. «A minha mulher dizia-me que eu devia arranjar outra. E eu tantas vezes ouvi aquilo, que resolvi fazer», contou ao SOL o suspeito, que acredita ter vivido «uma bonita história de amor» com a adolescente. E que diz estar desesperado para que o processo tenha um desfecho. «Isto deu cabo da minha vida. Perdi a minha família, o meu emprego e a rapariga que amo. Nem que seja para ir para a cadeia, só quero que isto acabe».
Segundo fontes judiciais ouvidas pelo SOL, os abusos praticados por homens sobre raparigas desta idade são, muitas vezes, «desvalorizados pelas autoridades». O que, sublinham, pode ser a causa da demora na investigação. Polícias e magistrados «têm falta de sensibilidade para estes assuntos», diz outra fonte, considerando ser a explicação para a demora da conclusão do processo.
Sexo, mentiras e internet
Rui tinha acabado de entrar numa sala de chat, quando apareceu Lara (nome fictício), que rapidamente convidou o homem com o nickname «gatomuitobom» para uma conversa privada. Pouco depois passaram para o messenger, onde a janela de Lara tinha uma webcam ligada. «Estava despida e filmou-se do pescoço para baixo, a masturbar-se». O primeiro encontro acabou numa sessão de sexual virtual, que terminou com os dois a trocarem contactos.
Nenhum dos dois deu a verdadeira identidade. Lara disse que tinha 24 anos e vivia em Faro. Ele deu um nome falso, afirmou ter 27 anos e só disse a verdade quando contou que vivia no Porto. Durante um mês, falavam quase todos os dias ao telefone, trocavam mensagens e encontravam-se na net para sessões de sexo. Mas ela recusava filmar a cara.
Rui insistiu para lhe ver o rosto e a muito custo, Lara acedeu. Quando a webcam lhe revelou as feições, o comercial de 45 anos percebeu que tinha sido enganado: «Ainda me disse que tinha 18 anos, mas com aquela cara era impossível. Percebia-se que era uma miúda».
Rui garante que quis terminar a relação, mas os telefonemas continuaram. «Estava muito envolvido». Tão envolvido, que aceitou vir a Lisboa, onde Lara morava, para um encontro, dois meses mais tarde. «Combinámos no Colombo. Quando a vi ao longe, percebi que não era capaz. Era uma miúda. Dei meia-volta e voltei para trás». Já na auto-estrada, a caminho do Porto, Lara não parava de telefonar. No processo a que SOL teve acesso, a menor diz que Rui confessou «não ter coragem» para estar com ela.
Nessa altura, Rui continuava a mentir na idade: dizia ter 34 anos. Lara chamava-lhe «pedófilo», mas ele repetia estar «apaixonado».
Menos de um mês depois, Rui voltou a meter-se na A1. Desta vez, a coragem não lhe faltou. Foram para um hotel e tiveram relações. Estiveram seis horas juntos. Para os pais dela, uma professora e um desempregado, Lara, de 13 anos, estava no cinema com amigas.
Os encontros prolongaram-se por meses. Rui vinha a Lisboa e levava-a para hotéis. Lara foi duas vezes ao Porto, onde estiveram sozinhos na casa que ele partilhava com a mulher e dois filhos menores, e na casa da mãe dele. Juntos passaram uma noite num motel em Sintra, depois de Lara ter convencido os pais de que ia dormir a casa de uma amiga.
Encontros à porta da escola
O caso só foi descoberto porque a irmã mais velha de Lara, então com 15 anos, desconfiou da troca de mensagens constante e do facto de a irmã estar a ler um livro sobre o envolvimento entre uma adolescente e um homem mais velho. Os sinais, que tinham escapado aos pais, deixaram-na alerta.
Lara acabou por confessar a relação secreta e deu-lhe o número de telefone de Rui que, do outro lado da linha, admitiu tudo. «Só lhe disse que a queria conhecer antes de ela contar aos pais». Mas a irmã de Lara não estava disposta a partilhar o segredo e contou tudo à mãe, que procurou ajuda numa associação de apoio a mulheres que acabaria por fazer a denúncia à PJ.
Por telefone, a mãe de Lara obrigou Rui a prometer que nunca mais veria a filha. Durante um mês, cumpriu a promessa. Até receber um telefonema de Lara, que então com 14 anos, dizia estar apaixonada.
Recomeçaram os encontros. Desta vez, porque Lara estava sob um maior controlo dos pais, encontravam-se dentro de uma carrinha à porta da escola, à hora de almoço. Ao todo e já depois de a PJ ter recebido a denúncia, houve oito encontros. «Cheguei a ir com ela numa visita de estudo, misturando-me entre os alunos», admite Rui.
Tanto Rui como Lara contaram tudo às autoridades. As suas versões coincidem quase ao milímetro. Apesar disso, a investigação não poupou averiguações e perícias: os hotéis onde os dois estiveram foram contactados para procurar indícios do casal e foi feita uma perícia ao vibrador e ao dildo que afirmaram usar para comprovar que continha vestígios de ADN dos dois. A única perícia por fazer é informática. Mas a investigação foi concluída com todas as provas e depoimentos a apontar para Rui, em Novembro de 2012.
Fonte ligada ao processo justifica a morosidade com a necessidade de datar de forma precisa os crimes. É que o Código Penal distingue entre o abuso sexual de menor de 14 anos – punido com pena de um a oito anos de prisão – e o acto sexual de relevo com menores entre os 14 e os 16 anos, punido com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.
«Como a menor fez 14 anos pouco tempo depois de começarem os encontros isso faz toda a diferença», comenta a mesma fonte, sublinhando que os contactos sexuais entre Lara e Rui depois dessa data podem até nem ser punidos devido a um pormenor semântico na lei. «A lei pune quem tenha actos sexuais com adolescentes ‘abusando da sua inexperiência’. E está por provar essa inexperiência».
Lara e Rui não se falam desde Abril de 2011. Mas ele está convencido de que o fim do processo pode reatar a relação: «Só quero que ela saiba que estou à espera dela».
Apesar das conclusões da investigação e de a Medicina Legal ter encontrado no pulso de Lara inscrições feitas a x-acto compatíveis com auto-mutilação, não foi aberto qualquer processo de promoção e protecção de menor neste caso. «Infelizmente, tratando-se uma menor que aparentemente teve sexo por sua vontade, há uma tendência para desvalorizar. Mas mais importante do que o direito à auto-determinação sexual nesta idade é o direito ao saudável desenvolvimento da criança e é isso que a lei protege», defende uma fonte judicial.

Fonte

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