quarta-feira, 19 de março de 2014

Assistente social abandonou sonhos profissionais e só quer sobreviver às ameaças



17 de Março, 2014
Catorze anos depois de se ter iniciado como assistente social, "Maria" (nome fictício) já não sonha com projectos na adopção de crianças, mas em sobreviver às ameaças e agressões que afectam cada vez mais a classe.Em entrevista à agência Lusa, a propósito do Dia Mundial dos Assistentes Sociais, que se assinala na terça-feira, "Maria", que preferiu não divulgar o seu nome verdadeiro, falou sobre as difíceis condições de trabalho e defendeu a necessidade de se criarem estratégias que protejam os profissionais, que, por medo de represálias ou de serem despedidos, se remetem ao silêncio.
"Maria" salientou também que as condições de trabalho sempre foram "complicadas", mas agravaram-se com a crise política e económica.
"Nós somos a face visível das medidas tomadas pelo Governo. Mesmo que não tenhamos nada a ver com isso, é em nós que os utentes descarregam. O nosso trabalho está maioritariamente associado às questões económicas até porque somos nós que implantamos as medidas, as políticas da segurança Social", explicou.
De acordo com "Maria", a degradação da coesão e do laço social, o desespero e o sofrimento das pessoas perante o aumento da desprotecção social, decorrente das limitações no acesso a prestações sociais e serviço públicos, estão na origem do agravamento da situação para os assistentes sociais.
Contou que quando acabou o curso há 14 anos tinha uma imagem romanceada da profissão, levada ao extremo. Sonhava trabalhar na área das adopção, "ajudar a criar projectos de vida".
Mas, quando iniciou a actividade numa instituição inserida num bairro social, a realidade era bem diferente: foi alvo de agressões verbais, ameaças à sua integridade física e da sua família e perseguida.
"Comecei num bairro social, onde estava em contacto directo com a população sem barreiras. Lembro-me de situações em que o simples facto de se arranjar aos utentes mobília usada e não nova ser suficiente para nos ameaçarem ou agredirem", disse.
"Maria" diz que nunca foi alvo de agressão física directa, mas esteve várias vezes perto, principalmente quando, depois de sair do emprego no bairro social, foi trabalhar para uma instituição onde lidou com crianças e jovens em risco, vítimas de maus tratos e abusos sexuais.
"Aqui sim, a situação ficou mais difícil, eram perseguições de carro, esperas à porta do trabalho, ameaças de morte, ameaças aos meus filhos", contou, adiantando que o seu caso até nem é os piores.
"Tenho colegas que já foram agredidos fisicamente, precisaram de internamento hospitalar, que sofreram depressões, que estão constantemente em baixa médica. Eu vou-me aguentando", disse.
No seu entender, para se sobreviver numa profissão onde não há leis que os protejam nem estratégias, o melhor é levar uma vida discreta.
"Há também que criar defesas. Quase instintivamente vamos criando defesas e estratégias. Dou por mim a mudar constantemente o meu local de estacionamento, tento estar sempre acompanhada. Antes de estacionar dou uma volta para ver quem está nas redondezas", salientou.
Por causa da situação em que trabalham os assistentes sociais, "Maria" defende o reforço do número de profissionais e recursos "mais adequados às situações que existem".
"A única protecção que temos por exemplo em alguns sítios é o policiamento de proximidade [ter um agente presente no espaço de atendimento], o que ajuda a acalmar os ânimos, mas se nos agredirem a entidade patronal não faz nada, temos de apresentar uma queixa individual na polícia", disse
Sobre a possibilidade de mudar de emprego ou emigrar, "Maria" diz que neste momento não está em cima da mesa.
Lusa/SOL

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