Na secundária de Valadares, os professores estão atentos à escalada de casos de reorganização familiar. Foto: André Rodrigues
Como é estudar quando os pais
emigraram? Só este ano lectivo, mais de 20 agregados familiares numa
escola de Gaia foram restruturados pela emigração.
“Ele emigrou porque fiquei desempregada.
Tinha casa, carro para pagar, filha no infantário”, conta Teresa Duarte.
O marido foi para França. "Ele ia primeiro para, depois, nós irmos, só
que não deu. Acabou por ficar lá ele e nós cá".
Lurdes Saraiva também viu o marido sair de casa. Está na Alemanha. "No início, sentimos muitas saudades", diz, fazendo as contas: "Fez agora, no dia 6 de Fevereiro, um ano que partiu e, claro, senti bastante". Mas prometeu a si mesma que "não ia ficar de braços cruzados". Explica: "Tenho a minha vida e a minha filha".
Georgina Alves fala todos os dias com o marido, que está em Inglaterra. "Vemo-nos pelo Skype, mas é uma saudade enorme. Por isso digo que as férias deviam ser muito prolongadas, deviam durar a vida toda".
Teresa, Lurdes, Georgina. Três mães que viram os maridos partir para o estrangeiro. Com elas, ficaram os filhos, que ainda não completaram a escolaridade obrigatória. Em Valadares, Vila Nova de Gaia, o peso da estatística é por demais evidente: com mais de 22% de desempregados, Gaia é o concelho com a mais elevada taxa de desemprego a nível nacional.
Numa década, o fenómeno mais do que duplicou e, para muitos, não houve outra saída a não ser deixar o país que já não lhes dá qualquer perspectiva. Vão e deixam ficar para trás a casa e a família. Um corte radical que força restruturações familiares.
Álvaro Almeida dos Santos, o director da Escola Secundária Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves, em Valadares, atira um número revelador: "Detectámos mais de 20 casos de alteração da composição familiar por causa da emigração, só este ano lectivo".
Na maior parte dos casos, é o homem que deixa a família para tentar a sorte lá fora. Teresa tem o marido nessa situação há oito anos. A filha mais nova, Helena, tinha cinco anos quando o pai emigrou. Hoje, tem 13 e frequenta o oitavo ano. A alteração familiar levou-a a ser acompanhada por um psicólogo. Hoje, já não é necessário, mas Helena continua a ser uma criança extremamente ansiosa e as suas notas são um "carrossel".
"Tanto tem boas notas como, logo a seguir, baixa para negativas. Depois, torna a levantá-las. É muito incerta", desabafa a mãe.
Lá em casa vivem Helena, a mãe e a irmã mais velha. É difícil enfrentar todos os dias a ausência do pai. Neste ponto da conversa, Helena não segura as lágrimas. Teresa diz que, todos os dias, faz um esforço para que a filha mais nova compreenda as razões da emigração do pai. "Disse-lhe que era por um tempo, para melhorarmos a nossa vida, porque não podíamos estar com a vida que tínhamos, porque, mesmo antes de eu ficar desempregada, o meu ordenado era muito baixo".
Se isto era verdade há oito anos, hoje, continua a ser. Teresa Duarte já voltou a encontrar trabalho, mas o ordenado que aufere é baixo e, assim, o marido lá continua a trabalhar em França, para ajudar a sustentar as duas filhas do casal. "Vai ser assim só até um dia, porque isto não é vida, nem para nós nem para ele, que está lá", diz, com esperança.
Esta esperança não é no regresso do pai, porque Teresa e as filhas pensam em deixar o país, embora a filha mais velha "não queira sair " e continue a procurar emprego. "O que conversámos no Natal, quando o pai esteve cá, é que íamos esperar mais um tempo, até que ela encontrasse alguma coisa", conta Teresa, mas "para já, ainda não tem nada". Assim, se nada mudar rapidamente, Teresa tem o destino como certo: "Se assim continuar, vamos ter que ir".
Um exercício de resiliênciaÁlvaro Almeida dos Santos garante que os professores estão atentos a esta escalada de casos de reorganização familiar. "Uma maior circunspecção, alterações de humor, perdas de apetite, sintomas de tristeza ou de inquietude" são os sinais mais comuns. No entanto, o director da escola refere que, em alguns dos casos, "acabam por ser os alunos que compensam a perda temporária do pai, da mãe ou dos dois, com um melhor desempenho escolar". É um mecanismo de resiliência.
Frederico Oliveira Guedes, psicólogo na secundária de Valadares, considera que a dificuldade da ausência tem um valor relativo e considera, até, que "perante todo este conjunto de circunstâncias, estudar, organizar uma semana - tendo actividades desportivas ou outras - os trabalhos de casa, o ter de chegar a casa e lidar, por exemplo, com os avós - no caso em que ambos os pais emigrem - dá-lhes toda uma outra perspectiva da vida". Conclui o especialista: "Apesar de tudo, eles estão muito bem".
"Por vezes, choramos"Tânia tem 17 anos. Está no último ano do ensino secundário. É aspirante a médica e, para já, está no bom caminho. "Tenho uma média de 18,4", afirma com orgulho.
O pai de Tânia está na Alemanha, há pouco mais de um ano. Tânia procura conforto na ideia de que "o pai saiu do país para dar melhores condições de vida a mim e à minha mãe, e isso é bom". Saudades? "Claro que sim, e, no início, não foi fácil", conta, dizendo que o seu pai "ainda por cima era - e continua a ser - muito presente". O telefone encurta a distância. "Falamos todos os dias. É como se ele estivesse aqui."
De um momento para o outro, Lurdes passou a ser a mãe e o pai de Tânia. Durante 24 anos, sempre se habituou a ter o marido por perto, mas a deterioração das condições de trabalho alteraram-lhe o quadro familiar. "Ele foi embora daqui porque não lhe pagavam ordenado ao fim do mês. Mas eu não parei, porque continuo a lutar pela minha filha, por mim, por ele, pela nossa casa". Mas às vezes, confessa, de tanto lutar, também se cansa. "E também choro, a minha filha também. Mas temos de continuar".
Isaque está no 12.º ano. Tem 17. O pai não está, mas este jovem compreende a realidade: "Nós estávamos a passar algumas dificuldades. Portanto, ele fê-lo por ele e pela família".
Isaque vive com a irmã mais velha e com mãe. "Ele é muito protector comigo e com a irmã", diz Georgina. O filho passou a ser o homem da casa, "mesmo sendo o irmão mais novo".
Também nesta família o contacto com o pai é diário. Por todas as formas possíveis. "Falamos ao telemóvel, vemo-nos no Skype", conta Isaque. No início, "sentia muito mais a falta" e, "agora, já estou mais habituado a esta ausência".
Adultos antes do tempoEstes adolescentes aprendem a ser adultos antes do tempo. Álvaro Almeida dos Santos constata que, ao contrário do que muitos fazem nesta idade, "estes jovens não vivem como se não houvesse um futuro a conquistar".
"Eles sabem que há amanhã, sabem que há uma responsabilidade, sabem que há dificuldades na vida e que, muitas vezes, essas dificuldades implicam sacrifícios para as famílias", sublinha o professor e director da escola.
Ao mesmo tempo, estes jovens entendem que a emigração é cada vez mais uma opção, mas não será isso um sinal de desilusão com o país que os forma?
O psicólogo Frederico Oliveira Guedes afirma que, "até ao nono ano, isso passa-lhes um pouco ao lado, independentemente de um dos pais ter sido obrigado a emigrar", mas, à medida que o fim da escolaridade obrigatória se aproxima, cresce a percepção de um certo desencanto: "Muitos deles chegam aqui desmotivados, sem interesse".
Tânia admite que sente "alguma desilusão com o estado a que o país chegou" e admite que, tal como aconteceu ao pai, a emigração poderá ser "uma saída inevitável", um dia, para si própria. No entanto, a esperança é outra, porque quer "ser parte da solução" no seu próprio país.
Para Isaque, o sentimento não é muito diferente. Aliás, o exemplo do pai é a referência: "Claro que gostava de encontrar trabalho aqui. O meu pai só emigrou no limite. Para mim, sair do país é mesmo um último recurso".
Se tiver de ser, que seja e, para Georgina, "podia acontecer já". A mãe de Isaque assume: "Não me assusta nada a ideia de sair deste país. Se o meu marido tivesse lá condições para nos receber, eu pegava nos meus filhos e ia".
"Eu tenho que debater sobre isso", refuta Isaque. "Para mim, é muito importante estar com o meu pai, mas, se eu fosse embora, fechava uma ferida, mas abria outra", diz. "Os meus amigos estão todos cá".
Por agora, resta a esperança dos reencontros, sempre que são possíveis. Nos dias de ausência, é essa a motivação de cada dia.
Lurdes Saraiva também viu o marido sair de casa. Está na Alemanha. "No início, sentimos muitas saudades", diz, fazendo as contas: "Fez agora, no dia 6 de Fevereiro, um ano que partiu e, claro, senti bastante". Mas prometeu a si mesma que "não ia ficar de braços cruzados". Explica: "Tenho a minha vida e a minha filha".
Georgina Alves fala todos os dias com o marido, que está em Inglaterra. "Vemo-nos pelo Skype, mas é uma saudade enorme. Por isso digo que as férias deviam ser muito prolongadas, deviam durar a vida toda".
Teresa, Lurdes, Georgina. Três mães que viram os maridos partir para o estrangeiro. Com elas, ficaram os filhos, que ainda não completaram a escolaridade obrigatória. Em Valadares, Vila Nova de Gaia, o peso da estatística é por demais evidente: com mais de 22% de desempregados, Gaia é o concelho com a mais elevada taxa de desemprego a nível nacional.
Numa década, o fenómeno mais do que duplicou e, para muitos, não houve outra saída a não ser deixar o país que já não lhes dá qualquer perspectiva. Vão e deixam ficar para trás a casa e a família. Um corte radical que força restruturações familiares.
Álvaro Almeida dos Santos, o director da Escola Secundária Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves, em Valadares, atira um número revelador: "Detectámos mais de 20 casos de alteração da composição familiar por causa da emigração, só este ano lectivo".
Na maior parte dos casos, é o homem que deixa a família para tentar a sorte lá fora. Teresa tem o marido nessa situação há oito anos. A filha mais nova, Helena, tinha cinco anos quando o pai emigrou. Hoje, tem 13 e frequenta o oitavo ano. A alteração familiar levou-a a ser acompanhada por um psicólogo. Hoje, já não é necessário, mas Helena continua a ser uma criança extremamente ansiosa e as suas notas são um "carrossel".
"Tanto tem boas notas como, logo a seguir, baixa para negativas. Depois, torna a levantá-las. É muito incerta", desabafa a mãe.
Lá em casa vivem Helena, a mãe e a irmã mais velha. É difícil enfrentar todos os dias a ausência do pai. Neste ponto da conversa, Helena não segura as lágrimas. Teresa diz que, todos os dias, faz um esforço para que a filha mais nova compreenda as razões da emigração do pai. "Disse-lhe que era por um tempo, para melhorarmos a nossa vida, porque não podíamos estar com a vida que tínhamos, porque, mesmo antes de eu ficar desempregada, o meu ordenado era muito baixo".
Se isto era verdade há oito anos, hoje, continua a ser. Teresa Duarte já voltou a encontrar trabalho, mas o ordenado que aufere é baixo e, assim, o marido lá continua a trabalhar em França, para ajudar a sustentar as duas filhas do casal. "Vai ser assim só até um dia, porque isto não é vida, nem para nós nem para ele, que está lá", diz, com esperança.
Esta esperança não é no regresso do pai, porque Teresa e as filhas pensam em deixar o país, embora a filha mais velha "não queira sair " e continue a procurar emprego. "O que conversámos no Natal, quando o pai esteve cá, é que íamos esperar mais um tempo, até que ela encontrasse alguma coisa", conta Teresa, mas "para já, ainda não tem nada". Assim, se nada mudar rapidamente, Teresa tem o destino como certo: "Se assim continuar, vamos ter que ir".
Um exercício de resiliênciaÁlvaro Almeida dos Santos garante que os professores estão atentos a esta escalada de casos de reorganização familiar. "Uma maior circunspecção, alterações de humor, perdas de apetite, sintomas de tristeza ou de inquietude" são os sinais mais comuns. No entanto, o director da escola refere que, em alguns dos casos, "acabam por ser os alunos que compensam a perda temporária do pai, da mãe ou dos dois, com um melhor desempenho escolar". É um mecanismo de resiliência.
Frederico Oliveira Guedes, psicólogo na secundária de Valadares, considera que a dificuldade da ausência tem um valor relativo e considera, até, que "perante todo este conjunto de circunstâncias, estudar, organizar uma semana - tendo actividades desportivas ou outras - os trabalhos de casa, o ter de chegar a casa e lidar, por exemplo, com os avós - no caso em que ambos os pais emigrem - dá-lhes toda uma outra perspectiva da vida". Conclui o especialista: "Apesar de tudo, eles estão muito bem".
"Por vezes, choramos"Tânia tem 17 anos. Está no último ano do ensino secundário. É aspirante a médica e, para já, está no bom caminho. "Tenho uma média de 18,4", afirma com orgulho.
O pai de Tânia está na Alemanha, há pouco mais de um ano. Tânia procura conforto na ideia de que "o pai saiu do país para dar melhores condições de vida a mim e à minha mãe, e isso é bom". Saudades? "Claro que sim, e, no início, não foi fácil", conta, dizendo que o seu pai "ainda por cima era - e continua a ser - muito presente". O telefone encurta a distância. "Falamos todos os dias. É como se ele estivesse aqui."
De um momento para o outro, Lurdes passou a ser a mãe e o pai de Tânia. Durante 24 anos, sempre se habituou a ter o marido por perto, mas a deterioração das condições de trabalho alteraram-lhe o quadro familiar. "Ele foi embora daqui porque não lhe pagavam ordenado ao fim do mês. Mas eu não parei, porque continuo a lutar pela minha filha, por mim, por ele, pela nossa casa". Mas às vezes, confessa, de tanto lutar, também se cansa. "E também choro, a minha filha também. Mas temos de continuar".
Isaque está no 12.º ano. Tem 17. O pai não está, mas este jovem compreende a realidade: "Nós estávamos a passar algumas dificuldades. Portanto, ele fê-lo por ele e pela família".
Isaque vive com a irmã mais velha e com mãe. "Ele é muito protector comigo e com a irmã", diz Georgina. O filho passou a ser o homem da casa, "mesmo sendo o irmão mais novo".
Também nesta família o contacto com o pai é diário. Por todas as formas possíveis. "Falamos ao telemóvel, vemo-nos no Skype", conta Isaque. No início, "sentia muito mais a falta" e, "agora, já estou mais habituado a esta ausência".
Adultos antes do tempoEstes adolescentes aprendem a ser adultos antes do tempo. Álvaro Almeida dos Santos constata que, ao contrário do que muitos fazem nesta idade, "estes jovens não vivem como se não houvesse um futuro a conquistar".
"Eles sabem que há amanhã, sabem que há uma responsabilidade, sabem que há dificuldades na vida e que, muitas vezes, essas dificuldades implicam sacrifícios para as famílias", sublinha o professor e director da escola.
Ao mesmo tempo, estes jovens entendem que a emigração é cada vez mais uma opção, mas não será isso um sinal de desilusão com o país que os forma?
O psicólogo Frederico Oliveira Guedes afirma que, "até ao nono ano, isso passa-lhes um pouco ao lado, independentemente de um dos pais ter sido obrigado a emigrar", mas, à medida que o fim da escolaridade obrigatória se aproxima, cresce a percepção de um certo desencanto: "Muitos deles chegam aqui desmotivados, sem interesse".
Tânia admite que sente "alguma desilusão com o estado a que o país chegou" e admite que, tal como aconteceu ao pai, a emigração poderá ser "uma saída inevitável", um dia, para si própria. No entanto, a esperança é outra, porque quer "ser parte da solução" no seu próprio país.
Para Isaque, o sentimento não é muito diferente. Aliás, o exemplo do pai é a referência: "Claro que gostava de encontrar trabalho aqui. O meu pai só emigrou no limite. Para mim, sair do país é mesmo um último recurso".
Se tiver de ser, que seja e, para Georgina, "podia acontecer já". A mãe de Isaque assume: "Não me assusta nada a ideia de sair deste país. Se o meu marido tivesse lá condições para nos receber, eu pegava nos meus filhos e ia".
"Eu tenho que debater sobre isso", refuta Isaque. "Para mim, é muito importante estar com o meu pai, mas, se eu fosse embora, fechava uma ferida, mas abria outra", diz. "Os meus amigos estão todos cá".
Por agora, resta a esperança dos reencontros, sempre que são possíveis. Nos dias de ausência, é essa a motivação de cada dia.
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