Dois gémeos idênticos são suspeitos de vários crimes de violação em
Marselha. Mas, como têm o ADN igual, nem os testes os distinguem. Qual
será o culpado? Serão os dois culpados? É um dos maiores quebra-cabeças
com que a Justiça alguma vez se deparou
Este caso desafia até o mais
intrépido e perspicaz Sherlock Holmes. Como é conhecido dos livros e dos
filmes de TV e cinema que os adaptaram, o detective britânico de
invulgar inteligência e capacidade de observação dos detalhes consegue
resolver qualquer caso. Basta-lhe para isso observar o modo como uma
revista está dobrada em cima da mesa da sala onde ocorreu o crime, ou de
que lado foi trincado o english pudding que o suspeito comeu na semana
anterior...
E no fim remata, dirigindo-se ao seu assistente:
‘Elementar, meu caro Watson’. Mas, num caso recente de assaltos sexuais
ocorridos em Marselha, no Sul de França, o grande Holmes bem poderia
puxar pela cabeça. E se isso não chegasse, bem poderia puxar pelo
microscópio. Nada disso lhe serviria. O caso é o seguinte: entre
Setembro de 2012 e Janeiro deste ano, houve seis violações num bairro
daquela cidade. O culpado está identificado e preso. O culpado? Não, os
culpados, embora tenha sido só um a praticar os crimes. Ou terão sido os
dois?
Se a clareza deste texto poderia dar voltas à cabeça até
de Holmes, o caso não é menos confuso. O problema é que os crimes
aconteceram efectivamente, e os principais suspeitos são dois irmãos
gémeos idênticos de 24 anos, identificados apenas como Elwin e Yohan. Os
indícios colhidos no corpo das vítimas – sémen do criminoso, cabelos,
sangue – atestam a identidade do violador. Mas, mesmo tendo ambos sido
presos em Fevereiro, o problema mantém-se: a qual deles pertencem estes
indícios? A solução parece óbvia: façam-se os infalíveis testes de ADN. O
problema é que gémeos monozigóticos (ou idênticos) partilham o ADN em
100%. Ou seja, eles são iguais até a um nível microscópico.
O
verdadeiro culpado (ou culpados, caso tenham sido os dois os autores
dos crimes, o que também é possível) só poderá ser descoberto por testes
genéticos mais afinados. A Polícia francesa avançava que os testes
clássicos aplicados à ciência forense seriam insuficientes e uma
verificação mais exaustiva pode custar um milhão de euros, avança a BBC
Online a propósito do caso.
Alguns peritos, entretanto,
chegaram-se à frente. Um dos grupos, citados pela revista especializada
Popular Science, recorda um caso semelhante ocorrido em Michigan (EUA)
em 2004. Na altura, a Polícia teve de recorrer a um laboratório
ultra-especializado para poder detectar mutações genéticas que
distinguissem este par de gémeos. Mas não conseguiram e não houve
condenações.
A questão torna-se mais complicada porque os
especialistas em genética concordam que essas mutações ocorrem mesmo
entre gémeos idênticos. O problema está mais em situá-las, pois não se
situam em todos os tecidos. É preciso explicar que, para um teste de ADN
simples, qualquer amostra de tecido (sangue, cabelos, unhas) que tenha
ficado no local do crime é suficiente para uma despistagem da identidade
do suspeito.
Entretanto, em 2008, outra equipa norte-americana,
da Universidade do Alabama, conseguiu discernir mais variações
genéticas entre gémeos das que se conheciam antes. Analisaram 19 pares
de irmãos idênticos e acertaram nos traços distintivos de todos. O
sucesso, porém, não foi ainda testado noutras ocasiões e fora de
ambiente de laboratório.
De qualquer modo, outros especialistas
indicam que estudos que analisassem algumas marcas químicas do ADN
poderiam ir mais longe, tendo em conta que os gémeos são expostos a
diferentes condições do meio logo após o nascimento. Mas este método
teria de ser combinado com uma sequenciação completa do genoma de Elwin e
Yohan, o que custaria não o milhão de euros estimados pela Polícia
marselhesa, mas alguns milhares. O problema ia dar sempre ao mesmo beco
sem saída: não haveria garantias, no fim, de conseguir distinguir os
gémeos um do outro. Mais uma vez, não haveria a certeza de se ‘acertar
no alvo’, pois ninguém sabe ao certo, à partida, quais são os tecidos
onde se podem encontrar as mutações. E um estudo aprofundado exigiria
que se analisasse um grande número de tecidos nos dois suspeitos.
Sem
certezas na metodologia a aplicar, estes testes ainda não oferecem a
segurança necessária para poderem ser usados em tribunal. Outro caso,
este sem a gravidade de um ataque sexual, foi um assalto levado a cabo
por um dos elementos de um par de gémeos em Berlim (Alemanha) em 2009.
Os testes de ADN levaram, mais uma vez, ao clássico beco sem saída. Eles
não se distinguem. O desfecho foi o mesmo do caso norte-americano de
2004, não houve condenações, na dúvida de se levar à cadeia o gémeo
inocente. No fim, como sempre, quem riu por último riu melhor. Um dos
irmãos declarou, jocoso: «Estamos orgulhosos do sistema legal alemão».
ricardo.nabais@sol.pt
Nenhum comentário:
Postar um comentário