A denúncia de abuso sexual de menor deu entrada, na Polícia Judiciária
(PJ) , a 19 de Agosto de 2010. Quase três anos depois e apesar da
confissão cabal do suspeito, o processo continua parado, à espera de um
despacho de acusação ou arquivamento do Ministério Público.
A história
do envolvimento de uma menor de 13 anos com um homem de 45 começou,
porém, um ano antes de a queixa ser apresentada às autoridades. Nessa
altura, Rui (nome fictício), procurava uma parceira sexual na internet. O
casamento estava em crise. «A minha mulher dizia-me que eu devia
arranjar outra. E eu tantas vezes ouvi aquilo, que resolvi fazer»,
contou ao SOL o suspeito, que acredita ter vivido «uma bonita história
de amor» com a adolescente. E que diz estar desesperado para que o
processo tenha um desfecho. «Isto deu cabo da minha vida. Perdi a minha
família, o meu emprego e a rapariga que amo. Nem que seja para ir para a
cadeia, só quero que isto acabe».
Segundo fontes judiciais
ouvidas pelo SOL, os abusos praticados por homens sobre raparigas desta
idade são, muitas vezes, «desvalorizados pelas autoridades». O que,
sublinham, pode ser a causa da demora na investigação. Polícias e
magistrados «têm falta de sensibilidade para estes assuntos», diz outra
fonte, considerando ser a explicação para a demora da conclusão do
processo.
Sexo, mentiras e internet
Rui
tinha acabado de entrar numa sala de chat, quando apareceu Lara (nome
fictício), que rapidamente convidou o homem com o nickname
«gatomuitobom» para uma conversa privada. Pouco depois passaram para o
messenger, onde a janela de Lara tinha uma webcam ligada. «Estava
despida e filmou-se do pescoço para baixo, a masturbar-se». O primeiro
encontro acabou numa sessão de sexual virtual, que terminou com os dois a
trocarem contactos.
Nenhum dos dois deu a verdadeira identidade.
Lara disse que tinha 24 anos e vivia em Faro. Ele deu um nome falso,
afirmou ter 27 anos e só disse a verdade quando contou que vivia no
Porto. Durante um mês, falavam quase todos os dias ao telefone, trocavam
mensagens e encontravam-se na net para sessões de sexo. Mas ela
recusava filmar a cara.
Rui insistiu para lhe ver o rosto e a
muito custo, Lara acedeu. Quando a webcam lhe revelou as feições, o
comercial de 45 anos percebeu que tinha sido enganado: «Ainda me disse
que tinha 18 anos, mas com aquela cara era impossível. Percebia-se que
era uma miúda».
Rui garante que quis terminar a relação, mas os
telefonemas continuaram. «Estava muito envolvido». Tão envolvido, que
aceitou vir a Lisboa, onde Lara morava, para um encontro, dois meses
mais tarde. «Combinámos no Colombo. Quando a vi ao longe, percebi que
não era capaz. Era uma miúda. Dei meia-volta e voltei para trás». Já na
auto-estrada, a caminho do Porto, Lara não parava de telefonar. No
processo a que SOL teve acesso, a menor diz que Rui confessou «não ter
coragem» para estar com ela.
Nessa altura, Rui continuava a mentir
na idade: dizia ter 34 anos. Lara chamava-lhe «pedófilo», mas ele
repetia estar «apaixonado».
Menos de um mês depois, Rui voltou a
meter-se na A1. Desta vez, a coragem não lhe faltou. Foram para um hotel
e tiveram relações. Estiveram seis horas juntos. Para os pais dela, uma
professora e um desempregado, Lara, de 13 anos, estava no cinema com
amigas.
Os encontros prolongaram-se por meses. Rui vinha a Lisboa
e levava-a para hotéis. Lara foi duas vezes ao Porto, onde estiveram
sozinhos na casa que ele partilhava com a mulher e dois filhos menores, e
na casa da mãe dele. Juntos passaram uma noite num motel em Sintra,
depois de Lara ter convencido os pais de que ia dormir a casa de uma
amiga.
Encontros à porta da escola
O caso
só foi descoberto porque a irmã mais velha de Lara, então com 15 anos,
desconfiou da troca de mensagens constante e do facto de a irmã estar a
ler um livro sobre o envolvimento entre uma adolescente e um homem mais
velho. Os sinais, que tinham escapado aos pais, deixaram-na alerta.
Lara
acabou por confessar a relação secreta e deu-lhe o número de telefone
de Rui que, do outro lado da linha, admitiu tudo. «Só lhe disse que a
queria conhecer antes de ela contar aos pais». Mas a irmã de Lara não
estava disposta a partilhar o segredo e contou tudo à mãe, que procurou
ajuda numa associação de apoio a mulheres que acabaria por fazer a
denúncia à PJ.
Por telefone, a mãe de Lara obrigou Rui a prometer
que nunca mais veria a filha. Durante um mês, cumpriu a promessa. Até
receber um telefonema de Lara, que então com 14 anos, dizia estar
apaixonada.
Recomeçaram os encontros. Desta vez, porque Lara
estava sob um maior controlo dos pais, encontravam-se dentro de uma
carrinha à porta da escola, à hora de almoço. Ao todo e já depois de a
PJ ter recebido a denúncia, houve oito encontros. «Cheguei a ir com ela
numa visita de estudo, misturando-me entre os alunos», admite Rui.
Tanto
Rui como Lara contaram tudo às autoridades. As suas versões coincidem
quase ao milímetro. Apesar disso, a investigação não poupou averiguações
e perícias: os hotéis onde os dois estiveram foram contactados para
procurar indícios do casal e foi feita uma perícia ao vibrador e ao
dildo que afirmaram usar para comprovar que continha vestígios de ADN
dos dois. A única perícia por fazer é informática. Mas a investigação
foi concluída com todas as provas e depoimentos a apontar para Rui, em
Novembro de 2012.
Fonte ligada ao processo justifica a morosidade
com a necessidade de datar de forma precisa os crimes. É que o Código
Penal distingue entre o abuso sexual de menor de 14 anos – punido com
pena de um a oito anos de prisão – e o acto sexual de relevo com menores
entre os 14 e os 16 anos, punido com pena de prisão até dois anos ou
multa até 240 dias.
«Como a menor fez 14 anos pouco tempo depois
de começarem os encontros isso faz toda a diferença», comenta a mesma
fonte, sublinhando que os contactos sexuais entre Lara e Rui depois
dessa data podem até nem ser punidos devido a um pormenor semântico na
lei. «A lei pune quem tenha actos sexuais com adolescentes ‘abusando da
sua inexperiência’. E está por provar essa inexperiência».
Lara e
Rui não se falam desde Abril de 2011. Mas ele está convencido de que o
fim do processo pode reatar a relação: «Só quero que ela saiba que estou
à espera dela».
Apesar das conclusões da investigação e de a
Medicina Legal ter encontrado no pulso de Lara inscrições feitas a
x-acto compatíveis com auto-mutilação, não foi aberto qualquer processo
de promoção e protecção de menor neste caso. «Infelizmente, tratando-se
uma menor que aparentemente teve sexo por sua vontade, há uma tendência
para desvalorizar. Mas mais importante do que o direito à
auto-determinação sexual nesta idade é o direito ao saudável
desenvolvimento da criança e é isso que a lei protege», defende uma
fonte judicial.
Fonte:
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