por Catarina Guerreiro e Joana Ferreira da Costa
Casos
de agressão extrema e gratuita com jovens de classes altas são um novo
fenómeno que está a crescer. Em pouco mais de uma semana, três jovens
foram brutalmente espancados. Psicólogos e cirurgião plástico confirmam
tendência.
Em apenas dez
dias, três jovens foram espancados quase até à morte. Os casos envolvem
'filhos de boas famílias' e prometem desmascarar um fenómeno recente e
escondido: a violência extrema e gratuita entre jovens de classe alta. Os
pais das vítimas garantem, em declarações ao SOL, que vão levar os
casos até às últimas consequências, na Justiça. A Polícia, por seu lado,
assume que esta realidade é quase desconhecida, o que se deverá em
parte ao facto de as famílias optarem muitas vezes por abafar os casos.
“É
hora de acabar com esta violência entre os miúdos”, diz a empresária
Mónica Carrelhas, que no passado sábado encontrou o filho, de 17 anos,
em estado crítico no Hospital S. Francisco Xavier, em Lisboa, com um
traumatismo craniano. Francisco Carrelhas foi brutalmente espancado por
um grupo de adolescentes, após um jogo de rugby no Dramático de Cascais.
Atacado
pelas costas com um murro no ouvido que o deitou ao chão, Francisco
nunca mais se levantou e continuou a levar socos. Desmaiou, ficou
inconsciente e começou a esvair-se em sangue e a ter convulsões.
Nesse
momento, surgiram mais agressores e um deles começou a bater-lhe com um
capacete de motard. “Não íamos deixar um amigo ser espancado. Por isso,
eu e a Vera agarrámo-nos a ele e levámos também com o capacete”, conta
Matilde ao SOL. A adolescente, neta do fadista Carlos do Carmo e do
advogado Vieira de Almeida, garante que nunca vai esquecer o que viu:
“Foi horrível, horrível. Quando acabou, é que entrei em pânico. Até aí, a
adrenalina era tanta que nem senti nada quando me estavam a bater com
os capacetes”.
Entre os agressores, ao que o SOL apurou, estão o
filho e um sobrinho de uma procuradora da República do círculo de
Cascais. O primeiro, de 18 anos, terá estado também internado num
hospital, devido a cenas de pancadaria causadas por rivalidades entre
grupos de Lisboa e de Cascais.
Acto de vingança
Francisco
conhece estes rapazes que o agrediram. Têm, aliás, um amigo em comum,
de nome Pedro e que recentemente se envolveu em espancamentos com os
agora agressores.
Segundo confessou na semana passada à SIC um
dos jovens que pertence ao grupo que bateu em Carrelhas, o espancamento
foi um acto de vingança por ele ser amigo de Pedro. O mesmo rapaz
acrescentou que, nos últimos tempos, estes ataques violentos de jovens
têm vindo a aumentar. “Querem-se afirmar”, explicou.
Para Mónica,
nada justifica o que aconteceu ao filho. “Quem viu diz que a violência
era tal que parecia que queriam matá-lo”, conta, acrescentando que
entregou o caso ao escritório de João Vieira de Almeida, pai de Matilde,
uma das raparigas agredidas. “Vou querer que seja feita justiça”, tem
dito Mónica nas redes sociais - onde desde o primeiro dia pôs a circular
uma fotografia do filho na cama do hospital. “Mas não queremos que
sejam feitos julgamentos ou acções que visem repor a justiça, pois
violência só gera violência”, diz, acrescentando que é preciso
“acreditar nos tribunais”.
Pouco depois de saber o que sucedera
com o seu filho, tentou entrar em contacto com os pais dos agressores,
mas nem todos se mostraram interessados. A mãe de um dos rapazes que
liderou o ataque, e que pertence a uma família de magistrados, terá
pedido para “não ser importunada com problemas do filho”, que tem 18
anos.
Francisco está em casa. Mas se a recuperação física tem tido progressos, a psicológica parece estar a ser mais complicada.
'Queriam matá-lo'
Poucos
dias antes deste brutal espancamento, um episódio semelhante atingiu
João, de 18 anos. O pai, Miguel, advogado de profissão, também quer que
seja a Justiça a resolver a violenta agressão ao filho, na madrugada do
primeiro dia do ano. “Quem atacou o João queria matá-lo. Ninguém dá
facadas no pescoço e na cara sem essa intenção, e continua depois a
agredir com pontapés na cabeça um rapaz que já está no chão,
inconsciente” - conta ao SOL o advogado lisboeta, que prepara uma queixa
por tentativa de homicídio, que será apresentada pelo filho, por este
ser maior.
João, estudante no Instituto Superior Técnico, esteve
dois dias internado no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com um
traumatismo craniano. Já está em casa, a tentar estudar para os exames,
mas ainda não se refez do choque.
Na madrugada de 1 de Janeiro,
preparava-se para voltar para Lisboa, com dois dos irmãos e um grupo de
amigos, depois da passagem de ano em Sesimbra. Na rua, cruzaram-se com
um grupo de jovens, alguns conhecidos de Lisboa: sem perceberem como,
rebentou uma zaragata. João tentou então separar um amigo que estava a
ser agredido. Terá dado um murro ao agressor e, por isso, começou a ser
perseguido pelo grupo, rua fora. Refugiou-se num hotel próximo e
escondeu-se por trás do balcão da recepção, mas os agressores invadiram o
hall do edifício e foram buscá-lo. O jovem foi então espancado com
murros, pontapés na cabeça e facadas no pescoço e na cara. Ficou
inconsciente. Um dos seus amigos também foi atacado com uma facada no
pescoço.
Os agressores ainda tentaram arrastar João para fora do
hotel. “A sorte do meu filho, que estava desmaiado, foi ter ficado preso
na porta giratória do hotel e eles não conseguiram puxá-lo para a rua”.
João
conhece de vista um dos agressores, um adolescente de Lisboa. E Miguel
já contactou a mãe do jovem informando-a que será apresentada uma queixa
por tentativa de homicídio, por entender, como pai, que não deve actuar
criminalmente contra um jovem sem dar conhecimento à família. Já antes
participara a agressão na GNR de Sesimbra.
Ao SOL, o Comando de
Setúbal da GNR confirma que os agressores já foram identificados e que
enviou a informação recolhida para o Ministério Público no Tribunal de
Sesimbra. É neste tribunal que a queixa vai dar entrada. Ao que o SOL
apurou, um dos agressores é um antigo aluno do colégio Moderno, que
estuda agora num liceu da capital, e outros três jovens serão de
Sesimbra.
As autoridades policiais também já contactaram o hotel
onde ocorreram os incidentes. “Pediram para preservarmos as imagens das
câmaras de vigilância onde tudo ficou gravado”, contou ao SOL o director
da unidade, que já se reuniu com os pais dos dois jovens agredidos.
O
pai de João não compreende o grau de violência envolvido. “São grupos
de jovens que parecem hienas prontas a atacar violentamente sob qualquer
pretexto”, diz o advogado. “Antigamente, também havia cenas de
pancadaria: mas era de um para um, com murros e mais lealdade”.
Também
na noite da passagem do ano João A., de 27 anos, foi espancado por um
conhecido, à saída de uma festa, em Lisboa, em casa de um amigo comum,
onde estavam 14 pessoas. Foi internado no hospital e operado aos
traumatismos nesse mesmo dia. A família ficou indignada e também vai
avançar para tribunal.
Cirurgião corrige cicatrizes
Às
mãos do cirurgião plástico Biscaia Fraga chegam “cada vez mais”
adolescentes que procuram disfarçar as cicatrizes deixadas por rixas
violentas. “Querem corrigir sobretudo lesões no nariz, nos lábios, mas
também cicatrizes na cara e no pescoço”, revela ao SOL o especialista,
lembrando que até há cinco anos estes casos eram “raríssimos”.
As
vítimas são sobretudo rapazes. “Atendi recentemente um adolescente de 16
anos, da alta sociedade, que veio corrigir uma grande cicatriz no
queixo e outra no pescoço”, conta o cirurgião, lembrando que o jovem
chegou acompanhado pelo amigo que o 'salvou' na briga. “O jovem nem
conseguia relatar a cena. Foi o colega que explicou que fora pontapeado e
esmurrado”. Mas Biscaia Fraga acredita que a história estava mal
contada: “As lesões eram mais compatíveis com uma arma branca ou um
objecto contundente”.
Mais agressividade
Também
a psicóloga Célia Alverca, no Agrupamento de escolas Lima de Freitas,
em Setúbal, não tem dúvidas de que as agressões entre os jovens são cada
vez mais violentas: “Rixas e brigas sempre houve, mas a experiência no
terreno mostra-nos que nos últimos tempos o nível de agressividade tem
crescido”.
A especialista recorda que muitos adolescentes crescem
quase sem controlo dos pais. Mesmo nas camadas sociais mais altas,
vivem refugiados na internet ou em jogos electrónicos que promovem a
violência gratuita. “É fundamental a comunicação e controlo parental”. A
esta realidade junta-se o facto de ser muito vulgar nestes casos de
violência os jovens terem consumido álcool e drogas, que provocam
alterações de consciência.
“Além disso, na adolescência o efeito
do grupo tem um enorme peso e leva-os a ter atitudes que nunca teriam
individualmente”, diz Cláudia Vieira, também psicóloga do mesmo
agrupamento.
As autoridades policiais, por seu lado, parecem
surpreendidos com o fenómeno, e associam actos violentos a actividades
criminosas. “Não temos identificados grupos que usam a violência pela
violência, de forma indiscriminada, mas sim grupos que a usam como
método para levar a cabo a sua actividade criminosa, que geralmente está
associada a roubos, tráfico de droga, segurança ilegal na noite e
também rivalidades por causa de namoradas”, disse ao SOL fonte da PSP.
*com Sónia Graça