Trair pela internet é mais discreto e está na moda, além de ser um negócio altamente rentável.
Os portugueses recorrem cada vez mais a sites de relacionamento amoroso, muitos dos quais destinados a casados e comprometidos que procuram alguém com quem trair o parceiro sem perigos nem complicações. Trair pela internet pode ser fácil e discreto, mas não é grátis: o negócio movimenta mais de 800 milhões de euros na Europa.
Em Portugal, estreou-se recentemente o canadiano Ashley Madison, uma das marcas que domina o mercado do flirt virtual. A ideia surgiu na cabeça de um antigo advogado de atletas profissionais, Noel Biderman, canadiano de 41 anos, casado e pai de dois filhos. "Se as pessoas casadas se faziam passar por solteiras nas redes sociais e nos sites de relacionamentos, por que não criar um portal especificamente para elas, e onde todos sabem, logo à partida, com o que podem contar?", justifica.
A semana da estreia revelou-se desde logo auspiciosa. Foram cerca de 200 mil aqueles que tentaram aceder à versão portuguesa do site antes mesmo deste estar disponível. A entrada é livre para mulheres, mas os homens pagam: 49 euros, para comprar o mínimo de créditos que lhes permite conversar com 20 mulheres. Esgotado o interesse no ‘elenco', é pagar novamente, o que permitirá o acesso a mais vinte mulheres.
Mesmo assim, o objetivo de Biderman e do seu Ashley Madison é chegar até ao final do ano com 300 mil subscritores nacionais. O lucro é difícil de calcular, pois depende da quantidade de perfis que cada homem estiver disposto a pagar para visualizar. Mas tendo em conta que um terço dos utilizadores são mulheres (e portanto não pagam), os outros dois terços de homens portugueses pagarão no mínimo nove milhões e 800 mil euros, mesmo que o façam apenas uma única vez. Nada mau para primeiro ano de negócio num país em crise.
Presente agora em 29 países, o volume de faturação anual do Ashley Madison atinge os 91 milhões de euros por ano. O nome da empresa nasceu da constatação de que Ashley e Madison são os nomes mais escolhidos para bebés na América. O slogan de apresentação é curto e incisivo: ‘A vida é curta, tenha um caso'.
O Second Love é outro conhecido site de traição a operar em Portugal desde abril de 2011. Pertencente a uma empresa holandesa (a U-Tell Media Digital), o site tem 115 mil inscritos portugueses, sendo "75 por cento do sexo masculino e 25 por cento do sexo feminino", contabiliza a porta-voz da empresa, Anabela Santos, uma dos três funcionários "multitask" da empresa.
A maioria dos utilizadores "tem entre 35 e 50 anos, licenciatura, é quadro médio ou superior e vive nos grandes centros urbanos". O Second Love é pago para homens mas funciona por mensalidade fixa, independentemente do número de pessoas contactadas. O mínimo são 59 euros por dois meses de utilização. Tendo em conta os 115 mil inscritos lusos, e aplicando a regra dos 75 por cento de pagantes, a estimativa é de pelo menos 30 milhões de faturação anual.
Mas o líder absoluto deste mercado é o grupo francês Meetic, criado em 2001 por Marc Simoncini em França. O portal foi aberto em 2002. Em Portugal, o Meetic.pt nasceu em 2005 e desde então somou 150 mil perfis, sendo a percentagem de homens e mulheres bastante equilibrada, 52% são do sexo masculino, face a 48% do sexo feminino. De acordo com os dados do Google Analytics, o Meetic.pt tem acima de 680 000 visitas (47,5% de visitas novas) e um número superior a 5 600 000 page views. Em média, cada utilizador visualiza mais de 8 páginas por visita e permanece no site mais de 6 minutos. Os preços vão dos 34,90 por mês a 77,40 (seis meses).
Em 2003, o grupo Meetic estava já presente nos principais mercados europeus (Espanha, Alemanha, Itália). Nesse mesmo ano foi lançada a primeira versão do Meetic para telemóveis. Em 2004, foi altura de conquistar a Ásia. Em 2005, o Meetic duplicou num ano os seus lucros, e entrou no Euronext. Entretanto, começou a comprar empresas do mesmo ramo (como a ParPerfeito no Brasil ou o Lexa, o Datingdirect ou o Match.com na Europa), abolindo a concorrência. Segundo o relatório apresentado pela empresa em junho de 2013, referente ao primeiro semestre, o volume de faturação andou nos 83,6 milhões de euros. O ano de 2012 saldou-se em 164,8 milhões de euros.
Não são os únicos com números de fazer inveja a muitos empresários: o C-Date (www.c-date.com.pt) tem 170 mil perfis em Portugal (mais de 14,8 milhões em todo o Mundo). Os homens só podem contactar mulheres pagando entre 19,90 (valor mensal na aquisição de 12 meses) ou 39,90 (três meses). O internacional www.getiton.com tem 240 mil perfis que se apresentam como nacionais (18 milhões globalmente) e é o mais barato: de 7,99 a 28,99, consoante se quer usufruir do portal por um mês ou um ano inteiro. Já o AdultFriendFinder.com tem 280 mil perfis registados em Portugal (e 38 milhões no Mundo). Os preços vão dos 9,90 aos 40,90.
O grupo 2L Multimédia, francês, detém em Portugal os portais easyflirt.com, extraconjugais.com e mulheresinfieis.com. Só estes registam por mês 50 mil novos utilizadores, "mas é mais difícil calcular os que permanecem ativos ao longo do tempo". Há congéneres em quase todos os países da América Latina e da Europa e, em breve, preparam-se para entrar no mercado turco e indiano. O volume de negócios "ronda os 18 milhões de euros anuais, a nível mundial", explica Julien Lavanchy, que trabalha nos escritórios da empresa em Paris, a partir de onde todo o fluxo é controlado.
Em Portugal, existe ainda a Lusomeet.pt, pertencente à empresa Websmind. O site promove encontros de pessoas de países lusófonos, dos PALOP ao Canadá, passando por Luxemburgo ou Suíça. Tal como nos outros, a inscrição é gratuita, mas depois, para aceder às conversações, é preciso pagar. O contacto feito com o site no interface que é disponibilizado aos utilizadores não obteve qualquer resposta.
Razões para trair
Para a investigadora brasileira Birgit Semper, responsável por um estudo sobre o mercado de ‘on-line dating' em Portugal e outros países europeus, "houve um grande boom de internautas tradicionais, mas também de um público que procura algo mais radical".
"Contactos de sexo e relacionamentos adultos, swing e fetiche estão entre os mais procurados e rentáveis", diz Semper. A investigadora diz que "é fácil explicar" o aumento da procura: "As pessoas estão deprimidas, não têm trabalho, não têm muito dinheiro e não têm parceiro. Os portais de encontros, todavia, podem mudar isso ativamente."
"Casado carente, 29 anos, deseja ter um flirt e depois ver o que acontece", escreve um utilizador do Second Love atraído pelo perfil criado pelo CM. "Adoraria um encontro romântico ou excitante e depois ver se queremos sexo", esclarece logo a seguir. Do Porto, vem ‘solverao'. Tem 31 anos e procura mulher para encontros casuais, saudáveis, sem compromisso e sem remuneração. ‘MmiguelC' tem 41 anos, é de Coimbra, quer sexo e aventuras de uma noite. Adianta apenas ter curso superior e qualquer coisa entre 1,81 e 1,90 m de altura. Quanto ao estado civil, responde "depois".
Noel Biderman, o criador do Ashley Madison, acredita que trair "é biológico" e que o site até pode ajudar a salvar casamentos: "Muitas vezes as pessoas não se querem divorciar, desfazer-se do lar, afetar os filhos. Querem apenas quem lhes dê carinho, atenção e sexo com discrição", afirma.
O site é especialmente feito a pensar nas mulheres, cuja presença é a alma do negócio. "Elas tem de se sentir confortáveis, protegidas, sentir que é mais seguro trair on-line do que no local de trabalho." Biderman diz não incitar ninguém. "Há uma mudança de comportamentos. As mulheres de hoje, com independência económica, traem tanto como os homens."
Sílvia tem 32 anos, mora em São Paulo (Brasil) e é casada há oito anos. Não tem filhos. "Sou feliz, o meu marido ganha bem e me trata bem, não posso reclamar dele, mas o trabalho não permite que fique junto dele sempre que quero. Então, comecei a buscar sexo fora do casamento. Já pensei algumas vezes em me separar, mas conclui que seria besteira. O Ashley Madison ajuda: sou bastante caseira e não gosto de conhecer pessoas em lugares públicos." Sílvia, nome fictício de uma mulher real que aceitou falar, já havia traído antes, com um colega, coisa pouco pensada e ainda menos duradoura: "Mas arrependi-me porque ele comentou com os amigos", confessa.
Até agora, conheceu quatro homens através do site. "O primeiro foi o melhor, os outros não rolaram tanta química e nem fomos para cama. Ele era lindo, moreno, forte, daqueles que não se imagina num site de traição, mas no final você descobre que estão na mesma situação. Encontramo-nos num restaurante afastado no horário de almoço. Ele foi de terno e pediu para eu ir vestida socialmente também, pois se alguém nos visse pensaria que era almoço de negócios. Só conversámos nesse dia. No dia seguinte combinamos ir direto
a um motel, aí a coisa ferveu. Vi-o mais uma vez só. Não o vejo mais no site, acho que ele me traiu!", conta num registo que deixa explícito o teor descomprometido e livre destes encontros.
Pedro G. tem 33 anos, é português e anda pelo Second Love. "Tenho namorada, mas não é nada muito sério até porque estamos a trabalhar em países diferentes. De certa forma, na nossa relação está implícito que se surgir outra pessoa mais perto... desde que sejamos leais um com o outro, claro." A outra pessoa surgiu a Pedro e não foi propriamente ao virar da esquina. "Por curiosidade, por ter ouvido falar, meti-me no Second Love. Nunca houve nada físico. Mas passei algumas horas no site a conhecer e a falar com pessoas, a trocar fotos ousadas", conta. Pedro acha que o galanteio faz parte da sua personalidade. "Sempre gostei de dizer coisas às miúdas, deixá-las a pensar, ou coradas, ou excitadas. Com a internet, liga-se e desliga-se quando se quer. Ninguém exige nada a ninguém."
Quebra de confiança
A seguir às épocas festivas há um boom de inscrições, talvez fruto da frustração que por vezes tais dias deixam no ar. "Após a passagem de ano e após o Dia dos Namorados há picos de entrada no site e picos de novas inscrições, que chegam a exceder os 50 por cento", diz Anabela Santos, responsável do Second Love. No entanto, de acordo com um estudo realizado pela empresa, 62,4 por cento dos utilizadores diz que nada mudou no seu casamento após a traição. Ou seja, tudo não passou de uma diversão em part-time sem consequências factuais, até porque "é para isso que existem estes sites".
Todavia, para a sexóloga Vânia Beliz não há álibis: "Qualquer relação assenta na confiança mútua. A traição é sempre uma quebra de confiança, mesmo que não passe do virtual. Com o tempo, acaba por trazer problemas e desilusões. Às vezes até pela descoberta de gostos diferentes, de uma pessoa diferente daquela com quem se pensava estar."
Mas também há finais felizes. A 13 dias de ver expirada a sua inscrição no Second Love, ‘Charlie' achou por bem ir ao site contar o que lhe valeu a experiência. Cinco dias depois de ter entrado no site encontrou ali a sua alma gémea, com a qual hoje está em "plenitude vivencial", como o próprio descreve. Prova de que o verdadeiro amor pode estar em qualquer lugar.
O fim da marca de batom no colarinho
Noel Biderman acredita que a internet é "o lugar mais seguro do Mundo" para trair. "Nunca tivemos problemas de segurança relacionados com os perfis. O sistema apaga o rasto das utilizações. É o fim da marca de batom no colarinho." A sua empresa nunca foi alvo de qualquer processo por parte dos traídos: "Não teria fundamento. Hotéis e operadoras de telefone também são negócios de traição e ninguém as processa."