O
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) é claro: «O papel das
autoridades de protecção social é ajudar as pessoas em dificuldades» e
evitar que os filhos possam ser retirados aos pais por situações de
carência económica. «Trata-se de uma medida extrema, que só pode ser
aplicada aos casos mais graves».A posição do Tribunal é assumida numa
sentença de 18 de Junho passado, que condenou Espanha a indemnizar uma
mãe a quem foi retirada e dada para adopção uma filha de três anos. Mas a
mensagem dos juízes serve para todos os países que adoptaram a
Convenção Internacional dos Direitos do Homem, que estabelece no artigo
8.º «o direito ao respeito da sua vida privada e familiar» e que faz com
que os Estados tenham «a obrigação positiva de adoptar medidas para
facilitar o regresso à vida familiar».
E foi precisamente aí que
as autoridades espanholas falharam, quando em Agosto de 2005 uma mãe se
dirigiu, com a filha de três anos ao colo, aos serviços sociais de uma
câmara da Andaluzia, pedindo «trabalho, alimentos e alojamento». No
mesmo dia, a comissão de protecção de menores foi chamada a intervir e a
menor foi levada para uma instituição.
Carência económica foi único motivo para retirar menor
Com
trabalhos esporádicos na agricultura e a viver na quinta de uma avó,
juntamente com outros familiares, a mãe estava numa situação «de
indigência», que fez com que os serviços sociais considerassem que não
tinha condições para cuidar da filha. O desespero de ver a criança
ser-lhe retirada dos braços fez com que tivesse uma reacção que foi
considerada «violenta» e «agressiva» e que viria a servir de fundamento
para impedir as visitas ao centro de acolhimento para onde foi levada a
menor.
Dois anos depois, a menina foi colocada numa família de
acolhimento, que acabaria por a adoptar, apesar de durante mais de sete
anos a mãe ter lutado nos tribunais pela guarda da filha.
O TEDH
considera que em todo o processo houve «inércia da administração» e dos
tribunais, que nunca tiveram em conta o facto de a mãe ter entretanto
melhorado as suas condições de vida, arranjando trabalho em França. A
sentença diz mesmo que «a constatação inicial de abandono foi
mecanicamente reproduzida» ao longo do processo, sem que fosse feito
qualquer esforço para avaliar a evolução da família.
O Tribunal
entendeu que as alegações sobre o estado mental da mãe nunca foram
devidamente sustentadas em relatórios, sendo as carências económicas o
único motivo para a retirada da menor.
A decisão do TEDH não vai,
contudo, resolver a situação. Sem poderes para reverter a adopção, tudo o
que Tribunal Europeu pôde fazer foi obrigar o Estado espanhol a
indemnizar a mãe, pagando-lhe 30 mil euros. A criança tem agora 11 anos e
está integrada na sua nova família.
790 bebés retirados aos pais em Portugal, em 2012
Em
Portugal, em 2012, havia 8.557 menores em regimes de acolhimento,
segundo o relatório da Segurança Social CASA, que faz a caracterização
anual da situação de acolhimento das crianças e jovens. Os dados mostram
que, nesse ano, foram retiradas aos pais 790 bebés entre os 0 e os três
anos.
Três deles foram os mais novos dos sete filhos retirados a
Liliana Melo em Julho de 2012: entre os menores retirados a esta mãe que
recusou a laquear as trompas, estavam um bebé de seis meses, dois
gémeos com dois anos e uma criança de três.
J.M. foi outro destes
casos. Nem chegou a sair da maternidade. «Disseram que o meu filho
estava em risco social», conta ao SOL Helga Aveleira, que há um ano luta
para recuperar o filho mais novo, sem entender por que motivo não lhe
foi aplicada a mesma medida de promoção e protecção junto da família a
que estão sujeitos os irmãos de cinco e três anos. «Se tenho condições
para cuidar deles, porque é que não posso ficar com o irmão?».
Segundo
um despacho do Ministério Público (MP), que pede ao Tribunal de Menores
a entrega do menor para adopção, «a progenitora padece de patologia de
personalidade», que não é especificada, e o pai «revela-se imaturo». O
facto de dois dos três irmãos mais velhos de J.M. – filhos de duas
anteriores relações de Helga – «encontrarem-se institucionalizados» são
outra razão apontada pelo MP para justificar a adopção como um melhor
projecto de vida para o menor.
Mas a história contada por Helga é
muito diferente. «Não escondo que temos muitas dificuldades e que tive
problemas com os meus filhos mais velhos, mas há muito amor nesta casa e
temos feito muito esforço para melhorar a nossa vida». Com uma relação
estável com Hugo – pai dos três filhos mais novos –, Helga tem lutado
para ter uma vida melhor, mas não encontra apoios.
‘O meu erro foi pedir ajuda’
«Dizem
que falto às visitas do meu filho, mas eu moro em Mira Sintra e ele
está no Estoril. Em transportes públicos, demoro mais de uma hora só
para chegar lá». Helga tem ainda de compatibilizar o rígido horário da
instituição que acolhe J.M. com o curso de Turismo que está a tirar no
Instituto de Emprego e Formação Profissional. «Como faltei muito às
aulas, tiraram-me a bolsa», lamenta, explicando que isso tornou ainda
mais complicadas as contas da família, agora que o marido, que
trabalhava no Exército, foi despedido. «Mas nós não baixamos os braços.
Fazemos bolos e salgados para vender para fora. Não falta comida em
casa», garante.
Se J.M. for dado para adopção, será o segundo
filho que Helga perde. «Em 2003, estava grávida quando procurei ajuda na
escola dos meus filhos». Era vítima de violência doméstica, o então
marido estava envolvido em negócios duvidosos e o filho mais velho,
então com oito anos, começava a dar sinais de ser problemático. «O meu
erro foi ir pedir ajuda. A partir daí, a minha vida ficou um inferno»,
lamenta, explicando que a filha que teve há dez anos acabou por ser
também retida na maternidade.
Para sobreviver, Helga trabalhou em
restaurantes, lares de idosos, nas limpezas e até fez vindimas. Com os
filhos mais velhos numa instituição no Porto, a filha nas Caldas da
Rainha e ela e o companheiro a viverem em Samora Correia, manter as
visitas tornou-se cada vez mais difícil. «E a minha menina foi dada para
adopção», resume, com a voz triste e as lágrimas nos olhos.
Segundo
os dados da Segurança Social, a retirada para adopção é, contudo, das
medidas menos aplicadas. Em 2.590 crianças sinalizadas em 2012, apenas
44 foram entregues para adopção. Os números mostram também que 58% dos
menores entre os 0 e os três anos que estiveram institucionalizados
acabaram por regressar à família em menos de um ano – o que, segundo o
próprio relatório CASA, «leva a questionar as razões de se ter optado
pela separação da sua família, ao invés de se desenvolver uma
intervenção integrada de preservação familiar».
Apesar dos
esforços do SOL, que durante meses procurou esclarecimentos sobre o caso
de Helga junto da Procuradoria-Geral da República, da Segurança Social,
da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco e do
Tribunal de Sintra, não foi possível obter esclarecimentos destas
entidades sobre o caso de Helga Aveleira e J.M, tendo todas invocado a
especial confidencialidade que reveste os casos de protecção de menores.
fonte: